Há muito tempo atrás, "mais longe que os mais altos pássaros da memória alcançam", em que fui a trabalho - na época ainda não era do RH - numa cidade à beira de escarpas rochosas impiedosamente açoitadas pelo mar. As escarpas eram altas, e também as distâncias enormes, mas mesmo assim já havia terminado o trabalho e tinha dois dias livres. Até porque depois de um tempo convivendo com humanos sem consciência das ilusões da realidade, somos contaminados com algumas de suas manias. Resolvi folgar.
Um pouco afastado das rochas, cerca de uns 3.000m, havia um campo de lavandas que perdia-se da vista no horizonte. No meio das flores azuis vi pela primeira vez um dos meus maiores amigos, mestres, e que até hoje manda-me mensagens nas horas mais necessárias - sim, pois no RH só tem gente de olho no seu cargo, ou não seria do Inferno.
Disse Clarice Lispector - se não me engano - que amigos não se fazem, se reconhecem. E nos reconhecemos. Ele me chamou de longe com um aceno, suas roupas alvas contrastando com o campo azul. Disse-me que, sem medo de pretensão ou de parecer louco, tinha achado alguém a quem quisesse ensinar coisas que aprendeu em sua longa travessia.
Ensinou-me as coisas mais importantes da minha vida - com poucos concorrentes. Mas foi curso breve, relâmpago. A cada semana nos reuníamos no campo de lavandas e eu ouvia ele falar.
Certo dia, ele me disse que já tinha passado o que considerava o necessário para mim, e que, sem que perdêssemos contato, estes se espaçariam e seriam sempre breves e em momentos de crises pessoais. Explicou-me que era de um lugar muito distante, e que a viagem era muito demorada e custosa.
Neste ano, após 16 anos da última comunicação, quebrou o silêncio e mandou-me três avisos e um presente.
Só compreendi ainda o primeiro aviso, para o qual já providenciei preparativos. Mas tenho a certeza de que até o fim do ano entendo tudo - às vezes sou um tanto lento, não vendo o que se põe à frente do meu nariz.
Depois de M. (citado em outro conto), este foi o melhor reencontro de anos, em um ano particularmente difícil.